12:54 PM O fim de uma era: Paramount Pictures abandona o filme 35mm | |
Quem estiver nos Estados Unidos e for ao cinema para assistir ao O Lobo de Wall Street, de Martin Scorsese, presenciará um acontecimento histórico. Mas o diretor os atores envolvidos na produção não têm relação nenhuma com esse evento dramático. A novidade é a maneira como o filme foi filmado e distribuído: pela primeira vez em mais de um século, um dos estúdios de Hollywood fez um grande lançamento inteiramente digital. Isso pode soar anacrônico, mas a esmagadora maioria das grandes produções do cinema ainda é capturada e projetada com o filme 35mm. Os custos baixos, versatilidade de edição e facilidade de transporte tornam os formatos digitais muito mais vantajosos do que o filme tradicional, pelo menos do ponto de vista econômico. Por que, então, Hollywood demorou tanto para dar início à mudança? Sem dúvida, a razão mais importante é, também, econômica. Embora, a transição para o digital leve a uma tremenda economia para os estúdios, que não precisariam mais produzir e transportar milhares de rolos de filme, o mesmo não pode ser dito para os cinemas em si. Adquirir um projetor de cinema digital é um investimento que apenas os maiores cinemas são capazes de fazer. Um modelo "básico” da Christie ou da Red pode custar mais de 70,000 dólares e, se estivermos falando de um projetor 4k, esse preço pode ultrapassar os 100,000 dólares. Outro problema é o fato de que o movimento para o digital também torna esse tipo de equipamento mais suscetível à obsolescência. Ao contrário do filme, formatos digital mudam com frequência e é difícil imaginar que um desse projetores possa ser utilizado por mais de uma década, como frequentemente é o caso dos projetores tradicionais. Além disso, se por um lado é muito mais fácil treinar um funcionário para operar um projetor digital (afinal, basta inserir o disco, não é preciso tocar em rolos delicados de filme), por outro, a manutenção desse tipo de máquina é bem mais complexa e cara. Não por acaso, a própria Paramount continuará a distribuir filmes em 35mm para alguns mercados, como é o caso da nossa América Latina. A razão econômica pode ser a mais importante, mas a estética dos diretores e o gosto do público também são pontos de resistência contra o digital. A forma como o filme reage à luz é fundamentalmente diferente da leitura eletrônica que um sensor de imagem faz. Essencialmente, o filme é um conjunto de cristais de halogeneto de prata sensíveis à luz que não segue nenhum padrão, enquanto o sensor de imagem é uma grade retangular de fotodiodos que convertem a luz em voltagem elétrica. Em outras palavras, são meios completamente diferentes, que produzem resultados distintos e podem ser usados para vários propósitos. Considerando tipos específicos de filme, é possível dizer que o formato digital perde um pouco em contraste e latitude de exposição. O filme também é potencialmente melhor para reprodução de cor, desde que o laboratório de revelação faça um bom trabalho. Por outro lado, o vídeo digital é capaz de realizar exposições bem mais rápidas e ele é muito mias versátil na hora da edição. Por muito tempo, o formato digital produziu resultados obviamente inferiores ao filme, o que gerou um preconceito contra o meio que não é justificável atualmente. Embora não exista uma comparação direta entre filme e digital, sempre existirão diretores e expectadores que preferem um ou outro. Scorsese é, ironicamente, um dos grandes defensores do filme, assim como Quentin Tarantino. Spielberg e Peter Jackson, por outro lado, preferem formatos digitais. Jackson, em especial, enfrentou muitas dificuldades por tentar promover a filmagem digital com as câmeras Red Epic. Tantas, na verdade, que o segundo filme da trilogia O Hobbit foi gravado com filtros especiais de lente e passou por um processo cuidadoso de edição que disfarça algumas características da filmagem digital. O debate à respeito da qualidade tem sua importância, mas a mudança para a produção exclusivamente digital tem outra consequência muito mais grave para o público em geral: a conservação. Qualquer projetor de cinema consegue reproduzir um filme tradicional, mas essa mesma garantia não existe para o formato digital. Como eu já mencionei padrões de compressão mudam com o tempo e o hardware precisa evoluir para acompanhar essas mudanças. Para se ter uma ideia, um dos codecs de imagem especificados pelo consórcio DCI (Digital Cinema Initiative) é o JPEG 2000, que é muito eficiente quando o assunto é compressão, mas requer muito poder de processamento para ser descomprimido em tempo real (ou seja, durante uma exibição de cinema). Dessa maneira, existe uma tendência para que o hardware que processa esses arquivos se torne cada vez mais especializado e, por extensão, incompatível com formatos antigos. Conforme hardware e codec evoluem, é fácil prever que filmes impopulares serão esquecidos no meio do caminho. Além dessa particularidade, é importante lembrar que Hollywood é extremamente paranoica quando o assunto são medidas anti-pirataria. Filmes não têm DRM e, como milhares de rolos são fabricados para cada produção, é sempre possível que um ou outro sobreviva graças às boas intenções de um projetista de cinema. No caso da distribuição digital, tudo se torna bem mais complicado. Em primeiro lugar, há um número menor de discos rígidos distribuídos (sim, ignorando algumas exceções, os estúdios mandam HDDs inteiros para cada cinema porque os arquivos são enormes), o que diminui a chance de um dos exemplares resistir a acidentes como incêndios, quedas, etc. Em segundo lugar, esses arquivos são protegidos por esquemas sofisticados de criptografia. Se a chave for perdida durante o curso da história, o filme contido no disco também se perderá. Apesar dessas preocupações, o movimento em direção ao digital é inevitável. Na verdade, a economia e a sede do público atual por efeitos especiais já fez com que muitas partes do processo de produção fossem digitalizados. Vá para o IMDB e escolha um filme lançado nos últimos 5 anos. Há grandes chances de que ele tenha existido dentro de um HDD em algum momento antes de aparecer na tela do cinema. Produções de distribuição mais localizada, como documentários e curtas, já são predominantemente digitais há algum tempo. Como sempre quando o assunto é história, é mais proveitoso encarar esses eventos como "transformação” do que como "perda”. | |
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